Do treino ao berço: os desafios da gestação e do pós-parto para atletas

Por: Amanda Mânica e Guilherme Lesnok | 24 de abril de 2025 | 10:00
Ketlen está gravida de seu primeiro filho (Foto: Reinaldo Campos/ Santos FC)
Ketlen está gravida de seu primeiro filho (Foto: Reinaldo Campos/ Santos FC)

A atacante Ketlen, maior artilheira da história do Santos, anunciou recentemente que está grávida de seu primeiro filho e, por isso, não atuará pelas Sereias da Vila em 2025. A notícia gerou grande repercussão e abriu espaço para discutir os cuidados e desafios enfrentados por atletas de alto rendimento durante a gestação.

Para esclarecer as mudanças físicas e os cuidados necessários nesse período, o Portal Sereias ouviu a médica Tathiana Parmigiano, ginecologista, obstetra e pós-graduada em Medicina Esportiva, que acompanha a gravidez da jogadora.

A descoberta da gravidez não significa, necessariamente, o afastamento imediato da atleta das atividades físicas. No entanto, quando se trata de esportes de contato como o futebol, é preciso redobrar a atenção. Segundo a médica Tathi Parmigiano, a prioridade durante a gestação deve ser a saúde da mãe e do bebê, o que impõe limitações claras quanto à participação em jogos e treinos mais intensos.

“Atleta amador ou profissional deve evitar performance. A gente não deve priorizar competição, o que não significa que ela não possa jogar. A ideia do jogo, ela fica mais vinculada a treino, a passe, a estar no ambiente dela, mas obviamente no futebol você tem contato, você tem queda e então não dá para competir, não dá para jogar, não dá para fazer um treininho básico de contato. Então a orientação é que não tenha jogo, principalmente risco de trauma abdominal e queda”, disse Dra Parmigiano.

O período pós-parto é um momento de recuperação física e adaptação emocional, especialmente para atletas que desejam retomar a rotina esportiva. O retorno aos treinos precisa respeitar o tempo do corpo, considerando fatores como a via de parto, o processo de cicatrização e o início da amamentação.

“Geralmente, bem genericamente falando, são seis semanas, mas a gente passa a atuar com a gestante a partir do parto mesmo, já nos primeiros 15 dias ela pode retornar a uma caminhada, ao fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico, exercícios de mobilidade. Mas a gente tem que entender que existe uma atenção voltada ao aleitamento, voltada a cicatrização. A via de parto determina muito, esse retorno, e não só o fato de ser uma cesárea, mas eventualmente um parto normal que precisou de qualquer tipo de sutura, onde você tem ali um tecido em cicatrização, a gente tende a ser mais cuidadoso. Geralmente você vai ouvir seis semanas, mas dá para se iniciar alguns exercícios, num período bem inferior a esse. Com segurança. Só precisa ser feito de maneira individualizada”, aponta.

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Veja a entrevista completa:

PSE: Quando, geralmente, uma atleta profissional deve parar de jogar após descobrir a gravidez? Há um tempo ideal? É possível que a atleta siga competindo no primeiro trimestre sem prejuízo à saúde dela e do bebê?

T.P: “Atleta amador ou profissional deve evitar performance. A gente não deve priorizar competição, o que não significa que ela não possa jogar. A ideia do jogo, ela fica mais vinculada a treino, a passe, a estar no ambiente dela, mas obviamente no futebol você tem contato, você tem queda e então não dá para competir, não dá para jogar, não dá para fazer um treininho básico de contato. Então a orientação é que não tenha jogo, principalmente risco de trauma abdominal e queda.”

PSE: Como deve ser a adaptação da rotina de treinos para uma jogadora grávida?

T.P: “Os treinos para uma gestante, para jogadora, tem que ter os três pilares: um exercício aeróbio, um exercício resistido e exercício para musculatura do assoalho pélvico. Então, se tratando de uma atleta, dentro do exercício aeróbico, ela pode continuar correndo, por exemplo, ela pode ir para a academia, fazer uma bicicleta, ela pode fazer transport, pode fazer escada. Não tem nenhuma limitação em termos do que ela já estava acostumada, por exemplo, principalmente a corrida. O que a gente vai adaptar é intensidade, a ideia é que ela faça exercício em uma intensidade moderada, ligeiramente difícil, onde conseguir conversar enquanto tá treinando é um parâmetro muito importante. Além disso, os treinos, de preferência, durando até uma hora. E aí ter, ao longo da semana, uma divisão. Ela pode fazer aeróbico todo dia, ela pode fazer um segundo treino, depois, idealmente em outro período, de musculação, de funcional. Sempre tomando cuidado com exercício que tem mudança de direção, porque as articulações ficam hormonalmente alteradas, elas ficam com uma frouxidão maior, então tem risco de queda. E, na musculação, a gente acaba priorizando que faça exercícios com mais repetição e menos carga. Além disso, a musculatura do assoalho pélvico, que faz muito parte dos treinamentos de core, eles também são preconizados porque essa musculatura vai sustentar um útero gravítico. Ela vai sofrer as alterações por causa da perda da musculatura abdominal e também de uma lordose, que acontece na coluna. Então o assoalho pélvico é super importante para prevenir dor, prevenir incontinência urinária na atleta-gestante. Mas ela pode fazer tudo isso com o grupo, ela pode tá trotando ali com o grupo, ela pode fazer parte dos treinos de musculação de academia com o grupo. Manter ela no ambiente de trabalho e de treino é super importante.”

Ketlen e Dra Tathiana Parmigiano (Foto: Reprodução)
Ketlen e Dra Tathiana Parmigiano (Foto: Reprodução)

PSE: Quais tipos de exercícios são recomendados e quais devem ser evitados durante a gestação?

T.P: “Os que podem ser usados nessas três categorias e a gente tem que evitar, obviamente, aqueles que têm mais risco de queda, ou trauma abdominal, por exemplo, uma bolada na barriga. No geral, exercícios com mergulho, eles são proibidos. As adaptações que a gente faz, exercícios que exijam apneia, prender a respiração, eles também não podem ser feitos. A partir de 20 semanas de gestação, deitar de barriga para cima, que a gente chama de posição supina, pode comprimir uma veia grande, chamada de veia cava inferior, que passa atrás do útero, às vezes, isso pode causar um mal-estar. Geralmente, a gente pede para a gestante adaptar os exercícios sem ficar de barriga para cima. Então, são algumas adaptações que são feitas, mas contra-indicado, absolutamente, realmente é um mergulho, obviamente paraquedas, essas coisas mais extremas, mas os cuidados têm que estar voltados muito ao risco de queda e ao trauma, principalmente abdominal direto.”

P: Existe alguma diferença entre os cuidados para atletas de alto rendimento e mulheres que praticam atividade física comum?

R: “Atleta de alto rendimento e atleta ou mulher comum, elas diferem no que elas são liberadas para fazer. Então assim, todas as mulheres têm que ser incentivadas a fazer exercício na gestação, mas obviamente a gente consegue que algumas atividades, por exemplo, uma corrida, seja feita tranquilamente por uma atleta de alto rendimento e não sempre por uma mulher comum. Tem algumas práticas que a atleta já tem no seu dia a dia, o corpo dela já tá mais habituado, que podem ser adaptadas para a fase da gestação e, às vezes, aquela mulher que era sedentária, ela vai fazer atividades mais básicas, então ela vai realmente caminhar, vai fazer algum exercício na água e que já é super válido. Esportistas que eventualmente que não são corredoras, elas vão também continuar com o exercício de força, com musculação, mas o que pode diferir é o tipo de exercício que cada uma vai ser liberada e a intensidade que também vai depender muito desse condicionamento prévio. Então, com certeza uma atleta atinge uma frequência cardíaca maior com segurança. Todo exercício ele tem que ser prescrito de maneira absolutamente individualizada e baseado no que essa mulher fazia antes de ela engravidar, acho que essa frase é bem importante.”

PSE: Há esportes mais seguros para manter a forma na gestação ou o futebol pode ser adaptado em alguma fase?

T.P: “Todo exercício que você faz, ele tá liberado do início ao fim da gestação, o que podem acontecer são adaptações. Então, como falei, jogar futebol, ele não tá liberado nem no início e nem no fim, um jogo propriamente dito. Isso é diferente de você bater uma bola, de fazer um exercício educativo. O que você não pode, é ter o jogo. O jogo, como a gente falou, tem o risco obviamente implícito de queda e de trauma abdominal. Isso a gente não deixa mesmo. Isso pode valer para outras, pode valer para o handebol, o próprio voleibol que pode ter um trauma direto na barriga. Então, assim, toda situação que exige performance e competição, ela não é o que a gente idealiza para fase de gravidez.”

PSE: Depois do parto, quanto tempo costuma ser necessário para a atleta retomar os treinos?

T.P: “Geralmente, bem genericamente falando, são seis semanas, mas a gente passa a atuar com a gestante a partir do parto mesmo, já nos primeiros 15 dias ela pode retornar a uma caminhada, ao fortalecimento da musculatura do assoalho pélvico, exercícios de mobilidade. Mas a gente tem que entender que existe uma atenção voltada ao aleitamento, voltada a cicatrização. A via de parto determina muito, esse retorno, e não só o fato de ser uma cesárea, mas eventualmente um parto normal que precisou de qualquer tipo de sutura, onde você tem ali um tecido em cicatrização, a gente tende a ser mais cuidadoso. Geralmente você vai ouvir seis semanas, mas dá para se iniciar alguns exercícios, num período bem inferior a esse. Com segurança. Só precisa ser feito de maneira individualizada.”

PSE: O retorno varia dependendo se foi parto normal ou cesárea?

T.P: “É importante a gente entender que um parto normal que precisou de sutura, de dar ponto, ele também tem um tempo de recuperação. As pessoas às vezes acham que a cesárea demora mais por ser uma cirurgia. Sem dúvida, é um processo muito mais invasivo e que demanda muito cuidado, mas isso não significa que após o parto normal essa paciente vai estar liberada instantaneamente para voltar a qualquer tipo de exercício. Então todos os exercícios eles têm que estar alinhados com o tempo de cicatrização, o sono, o descanso, então tudo isso está envolvido, é bem multifatorial.”

Dra. Tathiana Parmigiano (Foto: Reprodução)
Dra. Tathiana Parmigiano (Foto: Reprodução)

PSE: Quais são os principais desafios para o corpo da mulher no pós-parto em relação à performance esportiva?

T.P: “O retorno pós-parto vai impactar muito o que ela fez de exercício durante a gestação. Eu costumo dizer que o retorno depende de como foi a gestação, se ela se manteve ativa, o ganho de peso que ela acabou tendo nesse período, é isso que vai acabar determinando, e isso muitas vezes depende até mesmo da via de parto. Se é uma mulher que fez exercício durante a gestação, se ganhou pouco peso, ela vai ter um retorno muito mais precoce e rápido do que quem realmente não se manteve ativa. A gente não pode esquecer que existe um destreinamento durante a gestação, principalmente no caso de atletas, então esse retorno tem que ser gradual até mesmo para evitar lesões ortopédicas.”

PSE: Há impactos hormonais que podem interferir na performance mesmo antes de ela parar de jogar?

T.P: “Existe impacto hormonal, sem dúvida nenhuma, não só nas atletas, mas as esportistas, elas estão suscetíveis a isso. O padrão nutricional, a gente chama de disponibilidade energética, que leva em consideração o que uma atleta consome, o que ela gasta. Você tem que ter um equilíbrio energético para você ter um eixo hormonal funcionando. Então, muitas vezes, a associação de um volume de treino com uma dieta inadequada pode levar alterações hormonais, que podem até mesmo impactar na fertilidade dessa atleta.”

PSE: Quais exames se tornam ainda mais importantes no caso de uma gestante atleta?

T.P: “A rotina de pré-natal de uma gestante-atleta, ela não exige nenhum outro exame diferente de uma paciente normal. Ela só tem que ser constantemente incentivada a prática de exercício e se entender que ela tá praticando de uma maneira segura. Então, como eu falei, existe uma intensidade que vai ser preconizada com o que ela fazia antes, o tipo de exercício que ela fazia, o tempo de duração desse treino, que a gente limita geralmente até uma hora e a frequência ela tá autorizada a fazer praticamente todos os dias. A gente acaba sempre pedindo pra pelo menos um dia de descanso, mas se ela tá habituada e se ela tiver desejo de treinar todo dia, isso pode acontecer com segurança. Mas em relação a pedido de exames de sangue, urino e ultrassom, isso não vai diferir.”

PSE: É necessário um acompanhamento mais frequente do que o de uma gestante comum?

T.P: “Não, o contato é feito mensalmente, geralmente até 32 semanas e depois ele é feito de maneira mais próxima, cada 15 dias e depois semanal, mas isso não difere entre atleta e não atleta.”

PSE: Como o obstetra trabalha em conjunto com preparadores físicos e fisioterapeutas nesse período?

T.P: “Obstetra acaba dando um respaldo pra ação dos fisios, pra ação do profissional de educação física, em relação, não a prescrição do treino ou do exercício, o ensino à fisioterapia, mas a gente preconiza intensidade, a gente conversa em relação ao tipo de exercício, com essa visão de tomar sempre muito cuidado com o risco de queda. A fisioterapia, ela tem o seu valor porque o centro de gravidade está mudando, então, pro próprio preparador físico, ele vai adequar a carga de treino, ele vai exigir menos do equilíbrio, porque esse centro de gravidade está mudando. Ela acaba não conseguindo se adaptar, ela está em constante mudança. Então, a gente tem uma troca bem importante e o fisio também entrar com essa ideia de exercícios que fortaleçam a musculatura abdominal sem favorecer a diástase, que é o afastamento do reto abdominal, com um olhar muito mais voltado para a musculatura do assoalho pélvico do que para qualquer outra prática mais comum aí de prevenção de lesão, como a gente vê geralmente no dia a dia.”

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