Presidente do Pérolas Negras exalta protagonismo das mulheres: ‘A grande revolução do século’

Por: Guilherme Lesnok | 11 de junho de 2025 | 14:00
Rubem César Fernandes, presidente do Pérolas Negras (Foto: Divulgação)
Rubem César Fernandes, presidente do Pérolas Negras (Foto: Divulgação)

O Santos terá um importante confronto nesta quarta-feira (11), às 21h, diante do Pérolas Negras, pela Copa do Brasil Feminina. A equipe adversária, presidida por Rubem César Fernandes, é conhecida por utilizar o esporte como instrumento de transformação social, atuando em frentes como educação, meio ambiente, inclusão e internacionalização.

Antropólogo e escritor, Rubem César Fernandes nasceu em Niterói em 25 de maio de 1943. Graduado em Filosofia pela Universidade de Varsóvia, na Polônia, e mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde participou do movimento estudantil, Fernandes construiu sua trajetória intelectual e social marcada pelo ativismo. Ele também presidiu a ONG Viva Rio por mais de 30 anos, sendo uma figura central na promoção de projetos de impacto comunitário no Brasil.

Sob seu comando, o Pérolas Negras adota uma gestão voltada para causas sociais, buscando também estruturar financeiramente o clube de maneira sustentável. Nessa entrevista exclusiva ao Portal Sereias, Rubem César Fernandes destacou a importância de lutar por igualdade de gênero no futebol e ressaltou como o esporte pode ser um catalisador de mudanças profundas em comunidades vulneráveis.

Pérolas Negras eliminou o Criciúma na primeira fase da Copa do Brasil (Foto: Cleiton Ramos)
Pérolas Negras eliminou o Criciúma na primeira fase da Copa do Brasil (Foto: Cleiton Ramos)

Confira abaixo a entrevista completa:

Portal Sereias: Presidente, o que representa para o Pérolas Negras enfrentar um gigante do futebol como o Santos na Copa do Brasil Feminina?
Rubem César Fernandes: Representa uma prova de resistência, a ver se somos resistentes ou bastante.

Portal Sereias: Quais são as expectativas dentro e fora de campo para esse jogo tão simbólico? Existe uma preparação especial por parte da equipe?
Rubem César Fernandes:
As expectativas são modestas. Nós pretendemos enfrentar o Santos com dignidade, com respeito, com admiração e com a nossa capacidade possível no momento. Fato é que nós estamos no momento de disputar o acesso à segunda divisão. Estamos no final do período das quartas de final, é o último jogo. Então, para nós, francamente, a prioridade em termos estratégicos é o acesso. O jogo com o Santos é um momento importante, bonito e perigoso, eu diria.

Portal Sereias: Como o projeto tem lidado com os desafios de manter um time feminino competitivo, dentro de uma estrutura que já acolhe tantas realidades diversas?
Rubem César Fernandes:
A estratégia financeira do Pérolas Negras é consistente, é coerente com a nossa base social, nossa base estrutural. Ela vem, na maior parte, de projetos incentivados com incentivos fiscais. E, em grande parte dos incentivos fiscais, você encontra as situações sociais, privilegiando justamente esse aspecto. As empresas buscam projetos de natureza social para aplicar os seus investimentos com incentivo. Nesse sentido, a gente casa o interesse das empresas patrocinadoras com os interesses sociais e performáticos do Pérolas Negras.

Portal Sereias: Qual tem sido a principal dificuldade no desenvolvimento da equipe feminina do Pérolas Negras, e como vocês têm superado esses obstáculos?
Rubem César Fernandes: Olha, as dificuldades são as financeiras, como sempre. Porém, para nós, é mais difícil manter um profissional num nível que possa subir na hierarquia do futebol do que no feminino. O masculino vive uma situação financeira, nos níveis mais desenvolvidos, que francamente me parece absurda. São valores totalmente fora da curva de qualquer profissão e, então, são muito restritos. No caso do feminino, ainda temos um mercado mais acessível. Então, nesse sentido, é mais proveitoso, em termos de investimento, você pensar no feminino do que no masculino. Você vai mais longe no feminino com o dinheiro que tem.

Portal Sereias: Na sua avaliação, o futebol feminino ainda enfrenta resistência estrutural no Brasil. Como o Pérolas Negras tem trabalhado para romper essas barreiras?
Rubem César Fernandes: Sim, há muita resistência ainda, é cultural. Nós trabalhamos sobretudo em comunidades que a gente chama de favela ou em periferias pobres. E, nesses ambientes, ainda há uma resistência à participação feminina. Boa parte das meninas começa a jogar bola, a treinar de alguma maneira entre os meninos. São as guerreiras que conseguem romper a barreira do gênero e do preconceito e se impor em um time que se forma lá no começo. É um começo difícil, mais difícil do que no ambiente geral masculino. Mas talvez, por isso mesmo, aquelas que conseguem romper são mais guerreiras, entendeu? Elas enfrentam várias dificuldades, às vezes até em casa. Em casa, o menino pode representar a grande esperança da família se ele é bom de bola. A menina tem que enfrentar ainda a descrença, sobretudo do lado dos pais, dos irmãos, dos amigos, da família, etc. Mas isso está mudando. Eu acho que a tendência é do feminino crescer muito nos próximos anos. Eu acho que está na hora do feminino. Há uma onda positiva para o feminino, que eu acho de grande valor.

➡️ Siga o Portal Sereias no WhatsApp e acompanhe em tempo real as principais notícias do futebol feminino do clube

Portal Sereias: Quais são os próximos passos do clube para fortalecer ainda mais o futebol feminino dentro do projeto? Há parcerias em vista?
Rubem César Fernandes: Nossa estratégia é investir mais ainda no feminino, e isso envolve parcerias. Sim, estamos buscando uma parceria com a Marinha do Brasil. No Rio de Janeiro, existe um centro de formação esportiva de grande competência e alto nível, ao nível olímpico, que é o CEFAN – Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes. Estamos conversando com o CEFAN sobre uma possível parceria, de treinar lá e participar das possibilidades que o CEFAN oferece. Essa é uma ideia. E, no mais, é simplesmente participar dessa onda crescente que é a do futebol feminino. A presença feminina no mundo masculino, que era dominado pelo masculino, é uma realidade crescente no mundo inteiro. É talvez a grande revolução deste século, ao lado da alta tecnologia. Tem um lado, a inteligência artificial, e do outro, o feminino que cresce. Esperamos que cresça um pouco diferente do masculino em suas formas de enfrentar os desafios.

Portal Sereias: Muitos dos atletas formados pelo Pérolas acabam seguindo outros caminhos no esporte, além de serem jogadores. O mesmo se aplica à equipe feminina? Há um plano de formação também fora das quatro linhas para essas atletas?
Rubem César Fernandes:
Sim, essa é muito importante. Ao começar uma formação, pensando já na garotada, no mesmo mais jovem da formação, que se inculque na cabeça dos atletas a ideia de que a vida é longa. Hoje em dia, é mais longa. Setenta anos hoje ainda é jovem para muitas carreiras. Então, se o futebol nos leva até os 30, 35, no máximo chegando aos 40, raramente, é claro que deve existir uma vida após o jogo do futebol profissional. E, para isso, é preciso se formar, se capacitar para desenvolver carreiras que nos levem além do tempo atlético, que é muito curto. Nesse sentido, a formação é fundamental. E o Brasil, infelizmente, é um desastre em matéria de combinar educação e futebol. Do lado feminino, a gente encontra mais meninas já com formação. No masculino, é muito frequente que não tenham terminado o fundamental, que não chegaram ao médio. Então, o Pérolas Negras oferece uma bolsa de formação especial, além de oferecer um apoio de reforço escolar, no centro de treinamento. Além disso, nós oferecemos bolsas para aqueles atletas que desejem continuar a sua formação além do ensino médio e fazer um curso técnico ou uma faculdade. Nós temos, em média, 20 bolsistas por ano que estão seguindo algum tipo de carreira para além do futebol. Nós preferimos, inclusive, que sejam formações interessantes para o universo do futebol, que é muito rico em oportunidades, principalmente no lado feminino. É raro ainda você ter treinadoras, mulheres profissionais nas várias modalidades de profissão que o esporte do futebol oferece. Então, a gente encontra que há, na formação profissionalizante das meninas, um campo interessante de acesso ao mercado.

Portal Sereias: Presidente, disputar a Copa do Brasil Feminina contra um clube de grande expressão como o Santos certamente traz visibilidade, mas também custos operacionais e logísticos. Como o Pérolas Negras tem se estruturado financeiramente para competir em alto nível sem comprometer sua missão social?
Rubem César Fernandes:
Para nós, não existe contradição entre a missão social e a missão profissional de alto rendimento, sobretudo no lado feminino, porque o lado feminino do futebol brasileiro ainda acata incentivos fiscais até o nível adulto. Então, é mais fácil você encontrar patrocínios com isenção fiscal para o feminino do que para o masculino, embora ele exista também para o masculino abaixo de 20 anos. Então, o trabalho de base, para nós, tem sido prioridade, e o trabalho feminino tem sido prioridade. É mais viável. Tanto assim que o nosso sub-20, nos últimos três anos, foi tricampeão estadual no Rio de Janeiro. Nós temos o seguinte princípio: nós trabalhamos com organizações de favela e periferias que trabalham com futebol já há algum tempo, que têm uma boa história de futebol. E aí nós oferecemos apoios diversos: apoio com a gestão, apoio à educação complementar da garotada. E, sobretudo, a gente oferece o seguinte: qualquer menino ou menina que saia dessa comunidade, que venha para o Pérolas, a gente garante 10% de qualquer retorno que eles venham a trazer de volta para a comunidade de origem. A gente cria uma relação de interesse econômico, um vínculo econômico entre as associações de comunidade e o Pérolas. Assim, a gente reconhece nessas associações o seu direito de formador até a pré-adolescência. Quem forma é a favela. Então, até a pré-adolescência, até 10, 11, 12 anos, a gente reconhece nessas associações um valor de trabalho que merece ser reconhecido no espírito da solidariedade sobre os retornos do futebol. Com isso, a gente cria uma relação mais profunda. Estamos com eles desde o início, então é uma relação orgânica de proximidade. A gente conhece os melhores talentos desde o início. A gente não vai procurar numa peneira, a gente já conhece desde dentro, desde o começo. E assim a gente tem um certo privilégio em termos de acesso a novos talentos e garante uma cumplicidade como time de origem com a associação de origem, por conta desse compromisso que é por contrato. A gente faz contrato com cada associação com que trabalhamos. Hoje, a gente trabalha com 20 comunidades e com esse contrato e com esse espírito de compromisso mútuo.

Inscrever-se
Notificar de
guest
0 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários

Veja também

plugins premium WordPress
Rolar para cima